quarta-feira, 9 de maio de 2018

O gosto da hipocrisia


Como são inspiradores esses documentários sobre gente fodida. A panela aberta no chão de terra batida, a comida fedida disputada pelo menino e o cão, a moça de 23 anos com cara de 64, os filhos pendurados, jogados, ah... Quanta inspiração! Melhor ainda é quando mostram a África, aquelas crianças barrigudas e sujas esperando por ajuda. Gosto mesmo é de ver tristeza, prédio caindo, gente caindo, morrendo, morrendo de fome, de frio, de bala perdida, de bala encomendada. Gosto de ver menina vendida, comprada, estuprada. E as pessoas sem membros que dão palestras? Aí sim, não há nada mais motivador.

Desligo a televisão me sentindo inspirado, motivado, vou à luta! Lutar pelo que mesmo? Ah! O bem, lutar pelo bem! Enquanto me olho no espelho vejo um homem de sorte, “poderia ser eu um daqueles fodidos” – penso. Quanta sorte! Na verdade, em meio a tanta sorte nem me lembro de mais nada. Vou trabalhar, porque deus ajuda quem cedo madruga e não àqueles que são vagabundos.

A inspiração passou, pois só há merda no caminho até o trabalho. Está tudo fedendo, todos estão suando, e esses mendigos nas calçadas? Estão mesmo cagando no chão? Que nojo! Que nojo desse mendigo, dessa criança me pedindo dinheiro. Tem muito mendigo e bosta, que nojo! Cheguei ao escritório, que sorte! Nenhum pobre tocou em mim com suas mãozinhas sujas; mas o seguro morreu de velho e por isso convém me lavar bem. Fui educado para ser limpinho – sorte!

Fim de tarde, “hora feliz” com os amigos, bebo e retorno para casa no meu carro que eu adoro. No conforto da minha poltrona, ligo a televisão. É bom se informar, pois quem tem boca vai à Roma, vaia Roma, faz o que mesmo? Enfim, informação, informação, eu adoro o conhecimento... Está passando um documentário, que sorte! Gente fodida, que inspiração!

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