sábado, 23 de fevereiro de 2013

Parte I- O quintal

 É uma casinha de madeira com roseiras no canteiro da frente, e um Ipê na calçada. Dezenas de Suculentas te cumprimentam na pequena varanda e Samambaias pelas paredes até à porta de madeira. Muito vivas, verdes e felizes, mil florzinhas e bonsais, um bonsai em especial de uma Flamboaiã, todas pulverizam no ar uma atmosfera de tranquilidade.

No quintal nos fundos da casa, a sensação é de estar bem longe daqui, daqui de Marília, da faculdade, dos 20 anos. Sinto-me perto de casa, da minha. E quem me conhece sabe, eu não tenho casa. Então quando escrevo "minha casa", me refiro à imaginaria, àquela onde mora meu futuro, sabe?  É onde moram meus planos, onde minhas esperanças se alimentam, onde minhas aflições finalmente encontram paz e dormem.

Sentada entre o canteiro de morango e as bromélias, entre as flores de maio e de outubro, sobre a sombra falhada da jabuticabeira, eu fico a pensar. Penso nele, penso na vida. Ele não sabe o quanto eu penso, o quanto eu reparo, o quanto eu gosto, busca nos meus olhos uma resposta, e é tão esperto que encontra. Encontra nos meus olhares e nas entrelinhas do que eu digo a intensidade do que sinto, confirma na pele a sensação, deixa de ser só impressão, fica sabendo, vai conhecendo, me descobrindo, tirando as cobertas, me vendo. Eu o olho enquanto poda o limoeiro, eu gosto, e ele sabe.

 Observo as flores do pé de Maria, seus brilhantes e suas tão famosas folhas, tão cheirosa no cantinho do terreno, plantada é sempre melhor. Entre um trago e outro minha vida mudou muito; minha piteira evoluiu, a pilha de roupas sujas foi lavada, eu experimentei peixe crú e passei a comer rúcula sem dificuldade,voltei a comer de manhã, voltei a me alimentar na realidade. Há muito estava me alimentando de frustração ao molho de qualquer coisa, e pra quem não sabe, não há prato mais indigesto. Ele não faz ideia de quanto eu gosto de suas comidas, sabe não...rs, alimentou minhas forças.

 O limoeiro é velho, a goiabeira também, todas as árvores estão carregadas de história, as marcas das podas desvendam as perdas ao longo de suas vidas. E mesmo com cicatrizes, cresceram lindamente de acordo com a vontade de quem as podou, o limoeiro tem sua copa bem baixinha e inclinada pra direita, caindo na direção do muro, é uma pequena cabana.

 Cuidadoso, paciente e detalhista ele dá forma ao quintal. Existe o canto das orquídeas aos pés da jabuticabeira. Logo atras, o canto das bromélias, que é por sinal um cantinho especial, é onde fica o banquinho, todos deixam aqui quando sentam um pouquinh de si mesmo. Eu quando sento ali compartilho com as plantas umas muitas lembranças, eu piso na terra, cheiro o ar. Gosto dele, gosto mesmo, dele que escolheu os vasos, que montou o banquinho, que cuidou das plantas, que plantou os morangos. Eu plantaria morangos, penso que o cara é esperto, sensível também.

 É um aconchegante quintal, o é porque me lembra meus pais, minha infância, meus livros...Ultimamente ao acordarmos, cedo sempre, sentamos no banquinho e fumamos um olhando o vale lá no horizonte, e ele fala de especiarias, pratos raros e curiosidades da gastronomia, enquanto eu olho carros descerem e subirem nas duas ruas que podemos enxergar, bem longe, os carros parecem de brinquedo, pequenos, sem barulho, inofensivos, aqui a sensação que tenho é que tudo no mundo me é inofensivo.

 Ele não sabe o quanto eu amo esse quintal...

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